top of page

Proteômica Plasmática Revela Como o Envelhecimento do Cérebro e Sistema Imunológico Impacta a Longevidade

  • Foto do escritor: Cirmed Brasil
    Cirmed Brasil
  • 16 de jul.
  • 9 min de leitura

Por Cirmed | Baseado em pesquisa publicada na Nature Medicine



Introdução


Um estudo revolucionário publicado na prestigiosa revista Nature Medicine [1] trouxe descobertas extraordinárias sobre como diferentes órgãos envelhecem em ritmos distintos e como isso impacta nossa saúde e longevidade. Utilizando dados de proteômica plasmática de mais de 44.000 indivíduos do UK Biobank, pesquisadores da Universidade de Stanford desenvolveram uma abordagem inovadora para estimar a idade biológica de 11 órgãos principais através de proteínas presentes no sangue.


Proteômica Plasmática Revela Como o Envelhecimento do Cérebro e Sistema Imunológico Impacta a Longevidade

Esta pesquisa representa um marco significativo na medicina personalizada e no entendimento do envelhecimento humano, oferecendo insights valiosos para profissionais de saúde sobre como monitorar a saúde orgânica e identificar riscos de doenças relacionadas à idade com anos de antecedência.


Metodologia Inovadora: Estimando a Idade dos Órgãos Através do Sangue


O estudo liderado por Hamilton Se-Hwee Oh e Tony Wyss-Coray da Universidade de Stanford utilizou uma abordagem metodológica sofisticada para desenvolver modelos de envelhecimento orgânico baseados em proteômica plasmática [1]. Os pesquisadores analisaram dados de 2.916 proteínas de 44.498 indivíduos com idades entre 40 e 70 anos do UK Biobank, utilizando a plataforma Olink para quantificação proteômica.


A metodologia envolveu três etapas fundamentais. Primeiro, os cientistas identificaram proteínas plasmáticas específicas de cada órgão, utilizando dados de expressão gênica do atlas GTEx para determinar quais proteínas eram enriquecidas em órgãos específicos - definidas como proteínas codificadas por genes expressos pelo menos quatro vezes mais em um órgão comparado a qualquer outro. Segundo, desenvolveram modelos de aprendizado de máquina (LASSO regression) para prever a idade cronológica baseada nos níveis dessas proteínas órgão-específicas. Terceiro, calcularam o "gap de idade" para cada indivíduo, comparando a idade biológica predita com a idade cronológica real.


Os 11 órgãos analisados incluíram tecido adiposo, artérias, cérebro, coração, sistema imunológico, intestino, rins, fígado, pulmões, músculos e pâncreas. Além disso, os pesquisadores desenvolveram um modelo "organismal" baseado em proteínas não específicas de órgãos e um modelo "convencional" utilizando todas as proteínas disponíveis na plataforma Olink.


A robustez da metodologia foi validada através de múltiplas abordagens. Os dados de 11 dos 22 centros de coleta foram utilizados para treinamento dos modelos, enquanto os 11 centros restantes foram usados para teste, demonstrando alta estabilidade de performance entre diferentes centros. Adicionalmente, os modelos foram testados em uma coorte independente de Stanford com 1.636 amostras, mostrando correlações moderadas a fortes (r = 0,3-0,8) entre as plataformas, confirmando a robustez dos achados.


Descobertas Revolucionárias: Órgãos Envelhecem em Ritmos Diferentes


Uma das descobertas mais significativas do estudo foi a confirmação de que diferentes órgãos envelhecem em ritmos distintos dentro do mesmo indivíduo [1]. As correlações entre os gaps de idade de diferentes órgãos foram apenas fracas (correlação média r = 0,21), confirmando estudos anteriores e demonstrando que o envelhecimento é um processo heterogêneo e órgão-específico.


Os pesquisadores identificaram "envelhecedores extremos" - indivíduos com gaps de idade acima ou abaixo de 1,5 desvios-padrão da média populacional em qualquer órgão. Surpreendentemente, encontraram não apenas indivíduos com envelhecimento acelerado, mas também aqueles com envelhecimento desacelerado (1-2% de prevalência cada). Aproximadamente 26% das amostras foram classificadas como "envelhecedores multi-orgânicos", apresentando gaps de idade extremos em dois ou mais órgãos.


A estabilidade longitudinal dos gaps de idade foi avaliada em 1.176 indivíduos com múltiplas visitas ao longo de 1-15 anos. Os resultados mostraram correlações moderadas a fortes (correlação média r = 0,6) entre visitas, indicando estabilidade relativa ao longo do tempo, embora com potenciais mudanças dinâmicas devido a fatores de estilo de vida, doenças ou variabilidade técnica.


Predição de Doenças: O Poder Preditivo dos Relógios Orgânicos


O aspecto mais clinicamente relevante do estudo foi a demonstração de que os gaps de idade orgânica podem prever o desenvolvimento futuro de doenças relacionadas à idade com notável precisão [1]. Os pesquisadores testaram associações entre todos os 13 gaps de idade (11 órgãos + organismal + convencional) e 15 doenças incidentes relacionadas à idade durante um seguimento de 2-17 anos.


Os resultados foram impressionantes: foram identificadas 176 associações positivas e quatro negativas significativas de um total de 195 testes, após correção para múltiplas comparações. As associações mais fortes incluíram envelhecimento cardíaco com fibrilação atrial (razão de risco HR = 1,75 por desvio-padrão de aumento no gap de idade cardíaca) e insuficiência cardíaca (HR = 1,83), envelhecimento pancreático e renal com doença renal crônica (HR = 1,80 e 1,66, respectivamente), envelhecimento cerebral com doença de Alzheimer (HR = 1,80) e envelhecimento pulmonar com DPOC (HR = 1,39).


Particularmente notável foi a descoberta de que os gaps de idade órgão-específicos consistentemente exibiram razões de risco mais altas que os gaps de idade convencionais para todas as doenças analisadas, demonstrando a superioridade da abordagem órgão-específica para predição de riscos de saúde.


Envelhecimento Cerebral e Risco de Alzheimer: Uma Descoberta Transformadora


Uma das descobertas mais impactantes do estudo foi a relação entre envelhecimento cerebral e risco de doença de Alzheimer [1]. Os pesquisadores encontraram que indivíduos com cérebros extremamente envelhecidos apresentavam um risco 3,1 vezes maior de desenvolver Alzheimer (HR = 3,11), enquanto aqueles com cérebros jovens tinham uma redução de 74% no risco (HR = 0,26), independentemente da idade, sexo e genótipo APOE.


Remarkably, quando comparados aos efeitos do genótipo APOE - o fator de risco genético mais forte para Alzheimer esporádico - ter um cérebro envelhecido conferiu risco similar a carregar uma cópia do APOE4, enquanto ter um cérebro jovem proporcionou proteção similar a carregar duas cópias do APOE2. Durante o período de seguimento de 17 anos, 120 de 2.628 indivíduos (4,56%) com cérebros envelhecidos desenvolveram Alzheimer, comparado a apenas sete de 1.998 indivíduos (0,35%) com cérebros jovens.


A especificidade da associação entre envelhecimento cerebral e demência levou os pesquisadores a investigar se os gaps de idade orgânica estavam associados com volume cerebral baseado em dados de ressonância magnética. Descobriram que o gap de idade cerebral na visita basal estava unicamente associado com aumento do volume ventricular e diminuição do volume de regiões corticais aproximadamente nove anos depois.


Insights Moleculares: Desvendando os Mecanismos do Envelhecimento


O estudo forneceu insights valiosos sobre os mecanismos moleculares subjacentes ao envelhecimento orgânico através da análise das proteínas mais importantes em cada modelo de envelhecimento [1]. No modelo de envelhecimento cerebral, a proteína com maior peso foi a cadeia leve de neurofilamento (NEFL), que aumenta com a idade e é um biomarcador clínico de degeneração axonal frequentemente medido em ensaios clínicos para doença de Alzheimer e recentemente aprovado como endpoint substituto para ensaios clínicos de esclerose lateral amiotrófica.


Outras proteínas altamente ponderadas no envelhecimento cerebral incluíram a proteína oligodendrócito de mielina (MOG), um componente da superfície externa das bainhas de mielina, e a proteína fibrilar glial ácida (GFAP), um marcador de astrócitos reativos, ambas aumentando com a idade. Também foram identificadas brevican (BCAN), um componente da matriz extracelular cerebral produzido por células precursoras de oligodendrócitos, e receptor tipo R de proteína tirosina fosfatase (PTPRR), ambas diminuindo com a idade.


A análise de tipos celulares usando dados de sequenciamento de RNA de célula única do cérebro humano revelou que aproximadamente metade das proteínas de envelhecimento cerebral eram específicas da linhagem oligodendrócito, com o restante expresso principalmente em neurônios e depois astrócitos, apontando para a substância branca como uma região-chave do envelhecimento.


Para o envelhecimento pulmonar, as principais proteínas explicativas foram LAMP3 (expressa especificamente em células-tronco alveolares tipo II), SCGB1A1 (marcador de células club) e CCL18 (citocina expressa por macrófagos alveolares), potencialmente refletindo disfunção de células-tronco e inflamação no pulmão com a idade. O envelhecimento cardíaco foi explicado principalmente pelo NT-proBNP, um hormônio vasodilatador que aumenta em resposta ao dano cardíaco, enquanto o envelhecimento renal foi explicado pela renina, uma proteína envolvida na regulação da pressão arterial.


Fatores de Estilo de Vida: Modificando o Envelhecimento Orgânico

Um aspecto crucial do estudo foi a demonstração de que as estimativas de idade biológica baseadas em estados fisiológicos da função orgânica são sensíveis a mudanças no estilo de vida [1]. Os pesquisadores testaram associações entre todos os 13 gaps de idade e 18 fatores de estilo de vida (dieta, álcool, tabagismo, exercício e insônia) e fatores socioeconômicos (educação e Índice de Privação de Townsend).


Foram encontradas 69 associações positivas e 57 negativas significativas após correção para múltiplas comparações. Em linha com suas associações conhecidas com a saúde, tabagismo, álcool, consumo de carne processada, o Índice de Privação de Townsend e insônia foram associados com aceleração da idade em vários órgãos, enquanto exercício, consumo de peixe oleoso, vegetais e frutas foram associados com desaceleração da idade.


Especificamente, o tabagismo foi associado com envelhecimento acelerado em múltiplos órgãos, incluindo pulmões, coração, sistema imunológico e artérias. O consumo excessivo de álcool foi particularmente associado com envelhecimento do fígado e sistema imunológico. Por outro lado, a atividade física regular foi associada com envelhecimento mais lento do coração, músculos e sistema imunológico.


Interessantemente, alguns fatores de estilo de vida mostraram associações órgão-específicas. Por exemplo, o consumo de peixe oleoso foi especificamente associado com envelhecimento mais lento do cérebro e sistema imunológico, enquanto o consumo de vegetais foi mais fortemente associado com envelhecimento mais lento do sistema imunológico e intestino.


Longevidade e Mortalidade: O Papel Único do Cérebro e Sistema Imunológico


Uma das descobertas mais significativas do estudo foi a identificação do cérebro e sistema imunológico como órgãos-chave para a longevidade [1]. O acúmulo de órgãos envelhecidos progressivamente aumentou o risco de mortalidade: indivíduos com 2-4 órgãos envelhecidos apresentaram HR = 2,3, aqueles com 5-7 órgãos envelhecidos HR = 4,5, e aqueles com 8 ou mais órgãos envelhecidos HR = 8,3.


Entretanto, cérebros e sistemas imunológicos jovens foram unicamente associados com longevidade. Ter um cérebro jovem foi associado com HR = 0,60 para risco de mortalidade, ter um sistema imunológico jovem com HR = 0,58, e ter ambos jovens com HR = 0,44, representando uma redução de 56% no risco de mortalidade.


Esta descoberta tem implicações profundas para estratégias de intervenção em longevidade. Enquanto o envelhecimento de múltiplos órgãos contribui cumulativamente para o risco de mortalidade, o cérebro e o sistema imunológico emergem como alvos particularmente importantes para intervenções visando prolongar a vida saudável.


Implicações Clínicas e Futuras Direções


Os achados deste estudo têm implicações clínicas significativas para a prática médica moderna [1]. A capacidade de estimar a idade biológica de órgãos específicos através de um simples exame de sangue oferece uma ferramenta poderosa para:


Avaliação de Risco Personalizada: Os modelos de envelhecimento orgânico podem identificar indivíduos em risco elevado para doenças específicas anos antes do aparecimento dos sintomas, permitindo intervenções preventivas direcionadas.


Monitoramento de Intervenções: A sensibilidade dos gaps de idade orgânica a fatores de estilo de vida sugere que eles podem ser usados para monitorar a eficácia de intervenções de saúde e mudanças de estilo de vida.


Medicina Personalizada: A heterogeneidade do envelhecimento orgânico entre indivíduos sugere que abordagens personalizadas baseadas no perfil de envelhecimento orgânico específico de cada paciente podem ser mais eficazes que abordagens universais.


Desenvolvimento de Medicamentos: Os biomarcadores identificados podem servir como endpoints substitutos em ensaios clínicos para terapias anti-envelhecimento, potencialmente acelerando o desenvolvimento de tratamentos eficazes.


Limitações e Considerações


Embora os resultados sejam promissores, é importante reconhecer as limitações do estudo. A coorte do UK Biobank é predominantemente de ascendência europeia e pode não ser totalmente representativa de outras populações. Além disso, a estabilidade longitudinal dos gaps de idade orgânica, embora demonstrada, requer estudos adicionais com coortes maiores e amostragem mais densa para esclarecer a estabilidade técnica versus biológica.


A correlação fraca entre estimativas de idade cerebral baseadas em proteômica plasmática e ressonância magnética (r = 0,18) sugere que cada abordagem captura aspectos únicos do envelhecimento cerebral, e estudos futuros devem explorar como integrar essas informações complementares.


Conclusões e Perspectivas Futuras


Este estudo representa um avanço significativo na compreensão do envelhecimento humano e oferece uma nova ferramenta poderosa para avaliação da saúde orgânica [1]. A demonstração de que proteínas plasmáticas podem estimar com precisão a idade biológica de órgãos específicos e prever o risco de doenças relacionadas à idade abre novas possibilidades para medicina preventiva e personalizada.


As descobertas destacam a importância do cérebro e sistema imunológico como alvos-chave para intervenções de longevidade, fornecendo direcionamento científico para futuras pesquisas e desenvolvimento de terapias. A sensibilidade dos modelos a fatores de estilo de vida modificáveis oferece esperança de que intervenções direcionadas podem efetivamente retardar o envelhecimento orgânico e promover um envelhecimento saudável.


Para profissionais de saúde, estes achados sugerem que a proteômica plasmática pode em breve se tornar uma ferramenta clínica valiosa para avaliação de risco, monitoramento de saúde e orientação de intervenções preventivas. À medida que a tecnologia de proteômica continua a avançar e se tornar mais acessível, podemos esperar que essas abordagens se tornem parte integrante da prática clínica rotineira.


O futuro da medicina pode muito bem incluir "check-ups de idade orgânica" regulares, permitindo que médicos e pacientes monitorem a saúde de órgãos específicos e implementem intervenções personalizadas para promover um envelhecimento saudável e prolongar a vida útil saudável.




Sobre o Estudo

Título Original: "Plasma proteomics links brain and immune system aging with healthspan and longevity"


Autores: Hamilton Se-Hwee Oh, Yann Le Guen, Nimrod Rappoport, Deniz Yagmur Urey, Amelia Farinas, Jarod Rutledge, Divya Channappa, Anthony D. Wagner, Elizabeth Mormino, Anne Brunet, Michael D. Greicius, Tony Wyss-Coray


Instituição: Universidade de Stanford, Estados Unidos


Publicação: Nature Medicine (2025)





Referências

[1] Oh, H.S., Le Guen, Y., Rappoport, N. et al. Plasma proteomics links brain and immune system aging with healthspan and longevity. Nature Medicine (2025). https://doi.org/10.1038/s41591-025-03798-1




Este post foi elaborado pela equipe da Cirmed com base na pesquisa original publicada na Nature Medicine. Para mais informações sobre estudos científicos e suas implicações clínicas, continue acompanhando nosso blog.


Para ler o estudo original, clique no arquivo abaixo e baixe em PDF.



 
 
 

Comentários


bottom of page